Em 12 de setembro de 2010 acontecia o MTV Video Music Awards daquele ano, e eu como um bom fã de música pop estava super ligado. Pra quem desconhece, é um evento que acontece desde 1984 e já teve diversos marcos do pop, um dos mais famosos aconteceu no primeiro: Madonna vestida de noiva dançando 'Like A Virgin' rolando pelo chão, icônico! E o motivo principal pra tanta empolgação dessa noite de setembro de 2010: aquele era o ano de Lady Gaga, e não precisava ser um profeta pra ver isso se consagrar. Lady Gaga recebeu 13 indicações a prêmios, e foi a primeira artista feminina a receber duas indicações na categoria Vídeo do Ano, com "Bad Romance" e "Telephone". Claro que ela foi a grande vencedora da noite, vivendo sua "época de ouro" com os hits massacrantes já citados, que eram sucesso no mundo todo. Mas mais do que isso, com seu polêmico vestido feito de pedaços de carne crua ela anunciou o título do seria seu próximo álbum e, na minha visão, seu melhor trabalho até hoje (2023): Born This Way. O álbum seria lançado em 2011 e já estava tendo um suspense construído por ela durante diversas entrevistas, onde prometia o melhor álbum da carreira. E conseguiu!
Em 23 de maio de 2011 era lançado "Born This Way", o terceiro (considerando The Fame e The Fame Monster como álbuns isolados) e ambicioso álbum de Lady Gaga. E 12 anos depois do seu lançamento, ainda continua super relevante, não só para a sua carreira mas como a influência e homenagens que carregou consigo.
Born This Way é um álbum pop em sua essência, mas lotado de influências de outros gêneros, como a ópera, heavy metal, disco e rock. Inclusive, o álbum é abertamente influenciado por bandas como Iron Maiden e Queen, sendo que o próprio Brian May participa do instrumental da música 'Yoü and I'. E essa salada super temperada gerou um álbum cheio de energia, letras políticas e inconformadas, citações religiosas, vários idiomas entremeados nas faixas, e muitas performances icônicas. O primeiro choque desse álbum já estava na capa do primeiro single, onde Gaga apareceu com próteses nos ombros e no rosto, com seu teor alienígena já apunhalando o propósito da temática: sou diferente e vim pra ficar. A capa do álbum foi igualmente polêmica, porém menos amada pelos fãs, apresentando uma Gaga-motocicleta em um híbrido de qualidade de edição duvidosa. Hoje a capa é um clássico, e muito facilmente reconhecida, por mais que não seja "atraente". Parte do marketing genial que percorreu Gaga quando ela o aplicava mais na música do que na carreira empreendedora de maquiagens, por exemplo.
Falando sobre as faixas, o álbum abre com a intimista e comemorativa 'Marry The Night' com seus sinos característicos, indo para a arrebatadora dance-pop 'Born This Way', lotada de referências disco, e com uma letra meticulosamente pensada para ser uma celebração do público LGBTQIAP+, mas sobretudo, para ter uma mensagem direta sobre amor próprio. 'Government Hooker' é uma das faixas mais agressivas e incríveis, com vocais líricos e um pop industrial que arrebata o coração dos fãs até hoje, e foi uma das primeiras faixas a demonstrar como seria o tom do álbum antes do lançamento, já que ela e 'Sheiße' foram remixadas para um desfile da Mugler onde Gaga foi a diretora de música. 'Judas' é a sequência, que se tornou o segundo single do álbum. Na época, muitos especialistas compararam a métrica da canção com outras como 'Poker Face' e 'Bad Romance', mas isso não impediu o enorme sucesso da canção lançada na época de páscoa. 'Americano' é uma música protesto genial sobre imigração e o casamento homossexual entoada no ritmo mexicano mariachi. Pra entendê-la, basta ver uma das frases principais, 'I don't speak your Americano'. Nem todos os americanos falam a mesma língua.
Depois do protesto, uma das baladas que se torna uma canção pop poderosa de amor próprio é 'Hair', com seu tom de musical da Broadway. E depois, uma das músicas não single mais amadas e conhecidas pelos fãs,a empoderada e diferentona 'Scheiße', com versos em alemão. Depois da festança, temos a sinistra 'Bloody Mary', com vocais que remetem a corais de canto gregoriano, uma baita canção que quase virou single e fez muito sucesso recentemente na plataforma Tik Tok, numa montagem com a série Wandinha, da Netflix. Viu, meus amores, 12 anos de álbum e até música que nem teve clipe ainda faz sucesso!
A próxima é a irritadiça e divertida 'Bad Kids', ao seu pop anos 80, e depois um grande hino, 'Highway Unicorn (Road to Love)', uma canção dançante e ao mesmo tempo delirante, que termina aos altos sons de órgão. Tudo isso para dar espaço à diferentona e soturna 'Heavy Metal Lover'. Nesse ritmo melancólico vem a canção de rock-pop 'Electric Chapel', também muito diferente do que já havíamos experimentado da Gaga. Os grandiosos singles 'Yoü and I', a balada com a participação de Brian May, e 'The Edge of Glory', a montanha-russa vocal exuberante, fecham o álbum com muita glória.
Eu sei que é suspeito eu dizer, mas não tem 1 música ruim nessa lista. E na versão bônus? Temos a estilosa 'Black Jesus + Amem Fashion', e as nem tão estilosas 'Fashion of His Love' e 'The Queen'. Mas as 14 canções que fazem o álbum principal são todas incríveis, e mostraram alguns ângulos vocais e de produção de Gaga não conhecíamos, e claro, se tornaram referências para qualquer coisa que viesse depois na carreira da cantora.
A lista de performances dessa era é enorme, e claro que tudo ajudou na promoção do álbum. A primeira apresentação de Born This Way aconteceu no Grammy Awards de 2011, onde Lady Gaga foi transportada dentro de uma cápsula similar a um ovo. Foi a época onde Gaga também apresentou seu alter-ego masculino, Jo Calderone, para divulgar o single 'Yoü and I' em uma performance memorável no VMA de 2011. E claro, inúmeras apresentações em programas de televisão, outras premiações musicais e uma turnê de cair o queixo com um castelo construído em cima do palco. Uma época opulenta e com o ápice de liberdade criativa por parte da Gaga, e muito livre também em suas decisões (para o bem e para o mal). O single 'Marry The Night', por exemplo, continha um teor mais pessoal da história da cantora e, apesar do clipe cinematográfico, não pegou tanto quanto os sucessos anteriores. Os conflitos de gravação do clipe do single 'The Edge of Glory' também ficaram bem conhecidos pelas 'divergências criativas' entre Gaga e seu diretor, mas mesmo assim a música foi TOP 1 em muitos países. Sendo assim, foi uma era musical de muita divulgação onde os fãs foram super bem servidos, mesmo que houvessem oscilações nesse meio tempo.
E as polêmicas vem junto no pacote da fama, né meu povo? A canção e single 'Judas', por exemplo, é uma das que ficou mais conhecidas até hoje, e foi fervorosamente proibida em várias rádios e amplamente criticada por líderes políticos e religiosos. A canção 'Americano' é outro exemplo em que, mesmo não sendo single e não tendo videoclipe promocional, criticava a Lei de Imigração do Arizona e o "american way of life" que está longe de ser realidade para todos. E uma das maiores polêmicas junto ao álbum foi por um motivo bem menos relevante e ativista: comparações. Por ser um álbum ambicioso e cheio de promessas, muita gente interpretou as homenagens e inspirações de Born This Way como "repetição" ou até mesmo "plágio" do que havia já sido feito por outras artistas, e a que ficou mais popular na época foi a semelhança entre a canção "Express Yourself", da Madonna, e o single principal "Born This Way". Esse papo rendeu tanto que foi o suficiente para Madonna cantar um mashup das duas músicas durante toda a turnê The MDNA Tour.
Muita lembrança e muita citação. Mas afinal, por quê esse álbum de 2011 é o melhor da carreira dessa artista multifacetada?
Desde que Gaga surgiu em 2008 com o álbum The Fame e seus hits esmagadores já dava pra perceber que tinha um algo a mais ali. Porém somente com Born This Way ela assumiu verdadeiros riscos. O maior deles foi fazer o álbum que prometeu ser o melhor disco da carreira que tinha acabado de começar, e nele investiu muitos esforços pra que sua liberdade criativa fosse conservada, o que veríamos menos em álbuns posteriores. Born This Way foi gravado, em grande parte, na estrada da turnê The Monster Ball Tour, com todos os desafios e influências de onde passou mas também com uma mescla de estilos muito bem estruturada. Essa Gaga mais 'rockeira' como vemos em algumas faixas não aparece novamente até o momento, mesmo em álbuns com uma produção mais caprichada, como Joanne. Born This Way tinha um propósito envolvido, e nisso se materializou num álbum dançante, de celebração, mas ao mesmo tempo lotado de política, protesto e dores.
Não é o álbum mais amado pela crítica, e também não é o que teve números mais altos. Quando Chromatica foi lançado em 2020 muitos o consideraram 'o melhor álbum de Lady Gaga', mesmo com seu estilo já batido e refrões repetitivos, e vendeu consideravelmente para justificar a marca. Born This Way merece seu mérito justamente pelo oposto: trouxe um pop mesclado de muitas influências, mas tudo em torno de uma originalidade que unia música, visual e, principalmente, ações. É de uma época da Gaga centrada em sua música, muito antes de marcas de maquiagem e atuação em filmes, onde seu foco era nos shows e nos fãs. Esse álbum é uma grande demonstração dos potenciais de Gaga, e não a toa. Ao comemorar 10 anos, em 2021, muitos itens comemorativos foram lançados justamente pelo reconhecimento da marca que Born This Way produziu.
Muitos acham que o 'melhor trabalho' de um artista é aquele que é tecnicamente impecável, mas isso é bobagem. O melhor trabalho é aquele que significa mais pra você. Born This Way é um álbum que une diversão, coragem, rebeldia e música boa. Não é impecável, outros álbuns no futuro mostrariam uma produção mais afiada, mas também mais previsível. Seu teor experimental pegou todos de surpresa, e fez acreditar, mesmo por um breve momento, que todas as faixas teriam videoclipes. Tudo era muito estiloso, cheio de bases e ao mesmo tempo, experimental. E claro, para todos os little monsters como eu que só queriam ser enxergados, respeitados e amados pelo que eram em suas identidades, esse álbum foi um grande acolhimento. E seu significado foi tão forte que gerou a organização sem fins lucativos Born This Way Foundation, viva até hoje, sob a coordenação de Gaga e sua mãe.
Vida longa a Gaga, e mais longa ainda a esse triunfo pop chamado Born This Way! Se você nunca ouviu, pelamor, pare tudo que está fazendo e bora celebrar!
"(...) Whether life's disabilities left you outcast, bullied, or teased
Rejoice and love yourself today
'Cause, baby, you were born this way"
Commentaires