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LUZ, CÂMERA, OSSOS - TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO: O VERDADEIRO MULTIVERSO DA LOUCURA

blogfossilretro

Vou abrir meu coração e confessar pra vocês: adoro um filme que me faz mudar de ideia. Não somente filmes, como livros, músicas, artistas num geral, que me passam uma impressão inicial e que, com tempo, maturidade ou simplesmente uma nova chance, eu consiga enxergar outra coisa. Nem sempre isso acontece (e gosto justamente por ser raro), mas aconteceu aqui. A primeira vez que assisti Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo cheio de expectativa.. me frustrei. A impressão inicial era de que o filme era bom, ousado, mas era tão exagerado a cada minuto e tão pretensioso em tentar demonstrar alguma "sacada" que era muito enjoativo, quase como uma sobremesa em que você não aguenta uma segunda colherada. Parte dessa impressão não mudou, mas na segunda vez entendi o porquê desse filme ser assim: o exagerado é o que ele define como segredo para encarar a realidade da nossa vida, porque.. life sucks.


O resultado de ter assistido a segunda vez? Se tornou minha torcida principal no Oscar 2023, que ocorreu no domingo passado (12/03). Dito e feito, 7 prêmios Oscar, incluindo o de Melhor Filme. Coincidência ou não, foi a cerimônia do Oscar mais divertida em anos (geralmente, é uma chatice), e teve muita emoção envolvida.


Falando sobre a obra, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo divide muitas opiniões, sendo aquele filme do tipo "ame ou odeie". Isso acontece porquê o filme, em muitas partes, não tem uma grande velocidade, e que em suas cenas de ação tudo é insanamente maluco. No seu fundo, é um filme de drama familiar, em que a protagonista (interpretada pela vencedora de Melhor Atriz no Oscar Michelle Yeoh) é uma pessoa comum em uma vida ordinária, mas está em constante de processo de esgotar as saídas de uma vida de arrependimento pelo que poderia ter feito e não fez. Ela vê seu cenário atual como um resultado de péssimas decisões e um caos provocado pela velocidade da rotina. Muito parecido conosco, né?


Dentro disso, a protagonista recebe uma oportunidade (mais similar a um pedido de socorro) de acessar outras realidades da sua vida, proveniente de ramificações de escolhas que poderia ter feito de forma diferente, no passado. Multiverso é um tema super quente, e apesar de já ter sido indiretamente explorado no passado (De Volta para o Futuro, por exemplo), sua fama atual se deu muito pelo fenômeno Marvel, e também outras séries recentes da cultura pop, como Rick and Morty. Porém, o brilhantismo está sempre na combinação certa: um conceito maluco, exagerado e bobo ligado a combustíveis emocionais faz a coisa funcionar.


Também há os males das influências do fenômeno Marvel. Muitos provavelmente irão tentar assistir esse filme pensando num filme de super heróis, onde pessoas voam e acessam essas realidades para salvar o universo. Mas não. Para esses haverá certa dose de frustração, pois apesar de haver algo similar na trama, o único universo que importa é o da protagonista, e de quem está ao seu redor, é claro. Não é um filme de puro entretenimento, aqui é preciso pensar. É necessário ter muita atenção ao desenrolar do filme, pois muitos dos seus significados estão nas entrelinhas. Às vezes uma única fala faz conexão com outra parte da história. Esse efeito quebra-cabeça é algo que adoro, e o que me faz querer assistir ao filme mais vezes para identificar todas as camadas possíveis, me lembrando a reação que tenho com os filmes do Nolan.


Sobre a parte técnica, não tem absolutamente nada pra reclamar. As ambientações são simples, mas o incrível é ver elas se adaptando ao contexto da realidade escolhida pela protagonista. A fotografia é bacana, as atuações são legais (e a oscilação entre elas é incrível), mas o melhor é a montagem.. o que traz a emoção no filme é ver as sequências aleatórias e insanas se interligando. As referências de artes marciais asiáticas misturadas às cenas pontuais de drama, as loucuras em sequências rápidas.. são fantásticas. Realmente mereceu demais o Oscar de Melhor Edição, pois esse filme é uma prova de que a edição importa muito dentro da experiência. Elvis, que também concorria ao prêmio, também seria um excelente ganhador, mas não comportava a complexidade de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Dá pra sentir algumas referências de outras obras bem famosas, como Matrix, mas nem por isso tira sua graça.


Mas afinal.. o que esse filme todo maluco traz de tão importante? É claro que a resposta de tudo isso está na mensagem, e no contexto com que o filme acontece. Se você se concentrar somente nas insanidades do filme, provavelmente vai deixar de notar as nuances sobre depressão, suicídio, arrependimento, a perda de vitalidade perante nossa rotina ordinária, e claro, de onde podemos tirar esperança e nos reinventar a cada dia.


O filme consegue cumprir o desafio de pegar uma história curtíssima (e dá pra enxergar isso se eliminarmos todas as reviravoltas de realidades alternativas da trama) e conseguir recriar em torno dela um ambiente visual rico e com reflexão. Ao mesmo tempo em que oferece um ambiente experimental de ação, a história foca em relações, seja ela entre mãe e filha, esposa e esposo, as dores de uma filha pelo seu pai, entre outras. E talvez a chave mais importante para entender o filme e, como aplicar a mensagem que ele traz na vida, seja aceitar que às vezes a esperança mora onde vive o ridículo. Enquanto estamos surtando, literalmente, aos poucos nos nossos dias banais, a melhor fuga é fazer algo totalmente inusitado, às vezes absurdo, buscar a reinvenção, explorar outros caminhos.


Tive uma conexão pessoal com o filme, sobretudo com a protagonista, porque já tive vários complexos de arrependimento e culpa com escolhas que poderia ter feito de outra forma, e aí também mora a magia do cinema. Essas são as minhas impressões, e é claro que elas são impactadas pelo meu histórico de vida e de como isso se relaciona com a história do filme. Pensar que qualquer uma das nossas escolhas poderia nos levar a lugares totalmente diferentes pode ser um martírio, mas também é um combustível para pensar que minhas escolhas do hoje podem me levar a ótimos lugares também.


Ter esperança na vida é ter um pouco de estupidez e exagero envolvido, é acreditar no absurdo quando tudo está desmoronando. E também envolve ter a coragem de olhar pra própria história, e aceitá-la como ela foi, e tirar o proveito desses poucos momentos bons que são resultados do hoje, lembrando que.. o futuro sempre está aí para novas escolhas.


Abra a mente, assista e viva a realidade que você escolheu.




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