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ESCRITA RUPESTRE - O GRANDE FORA DA LEI: O PROIBIDÃO DA LIBERDADE

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David Kushner faz retrato histórico de GTA, mas sobretudo sobre sua nave mãe, Rockstar, o polêmico estúdio com membros de ambições polêmicas com um dos jogos mais polêmicos e inovadores da história: Grand Theft Auto.


Eu sou de 1997. Quando eu era criança, nada parecia mais impossível de comprar e mais desejável do que um Playstation 2. Era uma febre tremenda! E claro, junto dele, a façanha chamada "desbloquear" o console, unido a venda de milhares de cópias pirateadas de jogos do console em sua versão "bloqueada". Talvez o jogo mais famoso e que influenciou uma geração de jogadores, assim como uma geração de criadores de games, tenha sido GTA. GTA era proibidão, um jogo onde você poderia roubar veículos, fugir de policiais, se encontrar com prostitutas, atropelar pedestres, e muito muito muito mais.


Admito que quando criança, apesar de GTA fazer grande parte da febre do console, nunca tive vontade de jogar GTA, mesmo depois que adquiri o console. Joguei, em casa de primos, mas não era algo que me atraía. Eu também não tinha noção do quanto esse "mundo aberto" era impactante, não conseguia mensurar esse tamanho. Não conseguia medir o nível de liberdade que estava presenciando.


É justamente sobre isso que David Kushner retrata em seu livro, "O Grande Fora da Lei: A Origem do GTA", onde explica desde a vinda dos escoceses que deram origem à Rockstar, até o lançamento do último game da franquia em 2013, GTA V. E assim como o jogo, passa bem longe de ser um conto de fadas.


Traçando um relato histórico explicativo, David explora a ideia inicial, justamente focada na sensação de liberdade, e na sensação disruptiva de "fazer jogos para adultos", incluindo a virada de chave: e se ao invés de jogar como um herói, você ganhar pontos por ser um vilão? GTA em sua essência, assim como a cultura inicial do estúdio, queria provar que a ideia batida de que jogos seriam feitos apenas para nerds antissociais estava ultrapassada. Jogos eram para gente estilosa, madura e que queria explorar as barreiras da liberdade.


Desde as limitações técnicas do primeiro GTA até a grandeza realista de GTA V, David explica essa evolução técnica e as sacadas de marketing que prezavam colocar essa missão em prática. E claro, o mais divertido disso tudo, quais as dificuldades e erros (muitos erros) nessa jornada. Essas dificuldades implicariam desafios técnicos, mas principalmente, o embate entre desejo dos jogadores em saborear esse admirável mundo novo e a resistência ativista em destruir essa nova obra que pretendia quebrar a moralidade. Um jogo com roubo, drogas, sexo e prostituição deveria ser liberado para as vendas?


Um dos personagens mais abordados no livro é Jack Thompson, talvez o mais conhecido "anti-Rockstar", que conseguiu levar o estúdio para o tribunal em sua atuação como advogado. Em suma, seu objetivo era proteger a família e seus ideais da corrupção que os jogos estariam provocando, inclusive trazendo diversos casos de jovens e adolescentes que cometeram crimes inspirados nessa nova onda.


Ironicamente, traçando uma reflexão com os dias atuais, é como se não tivéssemos evoluído junto aos gráficos. Podemos dizer (trazendo um spoiler óbvio) que a Rockstar, de certa forma, atingiu seu objetivo. Sim, hoje os jogos são também foco de milhares e milhares de adultos. Em suma, muitos jogos são feitos exclusivamente para adultos, e isso não é um problema. Então, de forma vitoriosa, houve um amadurecimento por parte do público, do governo e dos próprios estúdios. Por outro lado, não foi a primeira e nem será a última vez de algum "símbolo da justiça" acusar uma maneira de entretenimento de uma tentativa de destruir a família e a moral, assim como de relacionar problemas e crimes a essas formas de arte.


Curiosamente, a história sempre se repete. Uma inovação traz muita admiração unida a muito medo, principalmente àqueles que são inseguros com os próprios medos. GTA quebrou barreiras que hoje praticamente todos os jogos que utilizam o conceito de "mundo aberto" usufruem. Não somente nos jogos, mas na música, livros, redes sociais e tantos outros meios é comum a teoria hipotética de "isso aconteceu porque a arte influenciou".


A arte vende uma liberdade muitas vezes impossível de conquistar no mundo real, e por isso é tão atrativa. Por mais que GTA transforme sua Liberty City numa cópia exata de New York, você provavelmente não vai chegar na New York real e sair roubando vários veículos e atropelando todo mundo, até porque, assim como demonstrado no jogo, existem consequências. A vida tem consequências. Transferir a responsabilidade de nossas dores, medos, aflições e ações para algo imaterial como um jogo é, pura e simplesmente, covardia. Sim, falta coragem para assumirmos a responsabilidade sobre nossa própria evolução, e ainda hoje consigo sentir isso de diversas formas.


Finalizando o livro, acredito que os fundadores que permaneceram no estúdio no final conseguiram o que queriam, mas tiveram que pagar pelo jeito com que fizeram. Em suma, se ser parte da "Rockstar" era assumir esse título com personalidade, é mais uma vitória. Assim como bandas de rock eram condenadas por ser obra do diabo, o mesmo aconteceu com GTA, e o mesmo acontece com qualquer meio que inove e desbrave novos territórios.


GTA é ousado, carregou muitas críticas, e fez por merecer por outras críticas. Até hoje a Rockstar é alvo de reclamações de muitos funcionários. Porém, uma coisa é inegável e os números não mentem: GTA é um sucesso. Se você curte GTA, se lembra com nostalgia desse jogo, se detesta ele ou se simplesmente não liga, leia esse livro. Qualquer um que goste minimamente de jogos e de histórias corporativas precisa ler o case da Rockstar e de como os bastidores foram levados pra chegar nesse resultado.


Aparentemente, estamos muuuuito perto de GTA VI ser anunciado. Já houveram alguns vazamentos (propositais, talvez?). Com o final do livro, confesso que fiquei com vontade de jogar GTA V e dar uma chance, talvez fosse isso que faltava a todos que queriam crucificar a Rockstar no passado: uma chance com mente aberta, mesmo sabendo que o jogo poderia decepciona-los. Pessoalmente, sou apaixonado por Red Dead Redemption 2, e acredito que seja (se não o melhor) um dos melhores jogos de mundo aberto, feito pelo mesmo estúdio. No final, o propósito da Rockstar não é te ensinar a ser um vilão, é ensinar a ser o que você quiser, e sofrer as consequências disso. Parece a vida real, né? Deveríamos também proibir a vida de ser "real demais"?




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